
Assistir ao show de lançamento do DVD dos Los Porongas no SESC Pompéia na última quinta-feira, dia 12 de fevereiro, foi uma revelação para o público que estava lá – embora talvez nem todas as pessoas tenham percebido a importância do evento de que faziam parte.
Não é a primeira vez que os acreanos aparecem aqui na Métrica (leia análise da canção “Nada Além” ou o comentário sobre show da banda na Virada Cultural no palco independente, em 2008). Já foi dito por aqui, por isso é desnecessário repetir, que Diogo Soares talvez seja o maior poeta da nova geração do rock brasileiro; do mesmo modo, é um pleonasmo afirmar que a banda, pela postura sonora livre da lógica das grandes gravadoras, aponta para o futuro da canção brasileira. Isto é: aponta para o Cruzeiro, poderíamos dizer - sempre lembrando que, na bandeira brasileira, a constelação do Cruzeiro do Sul está representada como se fosse observada por um observador hipotético, que não estaria na superfície da Terra.
Acertadamente, no documentário Música de Trabalho, de Daniel Dias (assista ao filme inteiro no You Tube clicando aqui), Lobão afirma que a canção independente é “a trilha sonora" deste tempo e que, no futuro, é nela que os historiadores buscarão a definição do início do século 21:
Não é a primeira vez que os acreanos aparecem aqui na Métrica (leia análise da canção “Nada Além” ou o comentário sobre show da banda na Virada Cultural no palco independente, em 2008). Já foi dito por aqui, por isso é desnecessário repetir, que Diogo Soares talvez seja o maior poeta da nova geração do rock brasileiro; do mesmo modo, é um pleonasmo afirmar que a banda, pela postura sonora livre da lógica das grandes gravadoras, aponta para o futuro da canção brasileira. Isto é: aponta para o Cruzeiro, poderíamos dizer - sempre lembrando que, na bandeira brasileira, a constelação do Cruzeiro do Sul está representada como se fosse observada por um observador hipotético, que não estaria na superfície da Terra.
Acertadamente, no documentário Música de Trabalho, de Daniel Dias (assista ao filme inteiro no You Tube clicando aqui), Lobão afirma que a canção independente é “a trilha sonora" deste tempo e que, no futuro, é nela que os historiadores buscarão a definição do início do século 21:
Arrisco dizer que, nesse estudo vindouro, talvez os Porongas figurem nos primeiros parágrafos, ou ganhem um capítulo todo para eles.
Trata-se do seguinte: quem assistir ao DVD encontrará a canção S.O.S, de 1981, do Grupo Capu, provavelmente desconhecido da maioria dos leitores paulistanos – e deste autor também, até a última quinta. Segundo Diogo, essa banda pode ser considerada a precursora do rock autoral no Acre. O som é rock puro, pesado, sem frescuras, de letra atuante, com um pé no imaginário psicodélico dos anos 70, com espaçonave que cai e impressiona o povo, e outro no Brasil do presente e do futuro, que não muda de jeito nenhum: inflação e dólar que seguem prejudicando o povo que “paga para nascer”, “vive por viver” e “vive de aluguel”. Em palavras simples: a pegada do som e a letra seguem atuais, talvez porque o Grupo Capu, há quase trinta anos, podia observar o Brasil por dentro e por fora - e já percebia que o país não mudaria tanto quanto se esperava.
Mais marcantes, entretanto, são os comentários do baterista Jorge Anzol no making off do DVD – extremamente emocionado com imagens dos Porongas tocando com o baterista do Grupo Capu, Hermógenes, no Festival Varadouro de 2008, a que o leitor pode assistir abaixo:
Talvez o próprio Anzol e seus parceiros de banda não saibam, mas aquela passagem de baquetas e a gravação de S.O.S. no DVD escrevem um capítulo na história da formação de um público inteligente do rock nacional.
Explicando: pagar o tributo para uma banda local – que talvez só não tenha feito sucesso na década de 80 devido à impossibilidade de ingressar no Eixo Rio-São Paulo de rock, porque não podia contar com a internet e todos os recursos que conhecemos hoje – é uma forma de criar tradição, de ensinar ao público que não interessam apenas os últimos sucessos radiofônico-descartáveis. Mais importante ainda: é uma forma de ensinar ao público de São Paulo essas lições.
Numa edição recente do Thunderview, Daniel Belleza afirmou que o público da capital é careta e não quer conhecer bandas novas - nem as do Acre:
Belleza está coberto de razão ao dizer isso. Prevalece nesta cidade a lógica de mercado e do consumo rápido, o que leva, segundo o mesmo Daniel Belleza, à ausência de festivais de música independente por aqui e até à omissão das grandes bandas, que deveriam abrir espaço para as pequenas.
E é aí também que os Porongas são grandes: em lugar de gravar no DVD uma canção com suposto “apelo de mercado”, de uma banda grande, o que poderia “potencializar as vendas”, resolvem os acreanos reverenciar os conterrâneos que, de certa forma, iniciaram o sonho do rock fora do eixo das grandes capitais; em lugar de render-se à lógica da estética vendida do mainstream paulistano, deixam claro no DVD que têm uma marca forte que trazem do Acre – a sua “contradição primeira”, a “urbanidade amazônica” – e que não vão despojar-se dela.
“O rock, antes de ser um som, é uma atitude, e acredito que o Acre seja rock n’ roll na sua essência”, afirma Diogo no DVD. Acreditemos no vocalista: na essência da postura e da sonoridade, os Los Porongas são combativos, porque não se rendem aos apelos fáceis para conquistar o público – preferem, ao contrário, formar o público mostrando a ele a pluralidade em detrimento da massificação de mercado; optam pela tradição e pela reverência aos mestres em vez do consumo rápido da arte de plástico das grandes gravadoras, que apresentam ao “mercado” uma novidade envelhecida por semana.
Aprendamos em São Paulo, portanto, como é que se forma público de rock – tentemos aprender a correr pelas ruas como se corre pelos rios, rumo ao Cruzeiro. Observado, evidentemente, pelos Los Porongas, que fazem parte de nosso tempo e de nosso país, mas que têm a capacidade de transportar-nos para fora do aqui e do agora, para que pensemos a respeito do Brasil, olhando-o, criticamente, por dentro e de fora.
Trata-se do seguinte: quem assistir ao DVD encontrará a canção S.O.S, de 1981, do Grupo Capu, provavelmente desconhecido da maioria dos leitores paulistanos – e deste autor também, até a última quinta. Segundo Diogo, essa banda pode ser considerada a precursora do rock autoral no Acre. O som é rock puro, pesado, sem frescuras, de letra atuante, com um pé no imaginário psicodélico dos anos 70, com espaçonave que cai e impressiona o povo, e outro no Brasil do presente e do futuro, que não muda de jeito nenhum: inflação e dólar que seguem prejudicando o povo que “paga para nascer”, “vive por viver” e “vive de aluguel”. Em palavras simples: a pegada do som e a letra seguem atuais, talvez porque o Grupo Capu, há quase trinta anos, podia observar o Brasil por dentro e por fora - e já percebia que o país não mudaria tanto quanto se esperava.
Mais marcantes, entretanto, são os comentários do baterista Jorge Anzol no making off do DVD – extremamente emocionado com imagens dos Porongas tocando com o baterista do Grupo Capu, Hermógenes, no Festival Varadouro de 2008, a que o leitor pode assistir abaixo:
Talvez o próprio Anzol e seus parceiros de banda não saibam, mas aquela passagem de baquetas e a gravação de S.O.S. no DVD escrevem um capítulo na história da formação de um público inteligente do rock nacional.
Explicando: pagar o tributo para uma banda local – que talvez só não tenha feito sucesso na década de 80 devido à impossibilidade de ingressar no Eixo Rio-São Paulo de rock, porque não podia contar com a internet e todos os recursos que conhecemos hoje – é uma forma de criar tradição, de ensinar ao público que não interessam apenas os últimos sucessos radiofônico-descartáveis. Mais importante ainda: é uma forma de ensinar ao público de São Paulo essas lições.
Numa edição recente do Thunderview, Daniel Belleza afirmou que o público da capital é careta e não quer conhecer bandas novas - nem as do Acre:
Belleza está coberto de razão ao dizer isso. Prevalece nesta cidade a lógica de mercado e do consumo rápido, o que leva, segundo o mesmo Daniel Belleza, à ausência de festivais de música independente por aqui e até à omissão das grandes bandas, que deveriam abrir espaço para as pequenas.
E é aí também que os Porongas são grandes: em lugar de gravar no DVD uma canção com suposto “apelo de mercado”, de uma banda grande, o que poderia “potencializar as vendas”, resolvem os acreanos reverenciar os conterrâneos que, de certa forma, iniciaram o sonho do rock fora do eixo das grandes capitais; em lugar de render-se à lógica da estética vendida do mainstream paulistano, deixam claro no DVD que têm uma marca forte que trazem do Acre – a sua “contradição primeira”, a “urbanidade amazônica” – e que não vão despojar-se dela.
“O rock, antes de ser um som, é uma atitude, e acredito que o Acre seja rock n’ roll na sua essência”, afirma Diogo no DVD. Acreditemos no vocalista: na essência da postura e da sonoridade, os Los Porongas são combativos, porque não se rendem aos apelos fáceis para conquistar o público – preferem, ao contrário, formar o público mostrando a ele a pluralidade em detrimento da massificação de mercado; optam pela tradição e pela reverência aos mestres em vez do consumo rápido da arte de plástico das grandes gravadoras, que apresentam ao “mercado” uma novidade envelhecida por semana.
Aprendamos em São Paulo, portanto, como é que se forma público de rock – tentemos aprender a correr pelas ruas como se corre pelos rios, rumo ao Cruzeiro. Observado, evidentemente, pelos Los Porongas, que fazem parte de nosso tempo e de nosso país, mas que têm a capacidade de transportar-nos para fora do aqui e do agora, para que pensemos a respeito do Brasil, olhando-o, criticamente, por dentro e de fora.