O impacto do novo disco dos Porcas Borboletas começa no título de uma das canções: Todo Mundo Tá Pensando em Sexo - por incrível que pareça - é a ainda uma afirmação incômoda, exatamente porque vai seguida da pergunta "Será que só você não, meu bem?". É muito dos Porcas essa habilidade de enunciar tabus com o gracejo de quem finge que não sabe que está cutucando onça com vara curta. É a feição borboleta dos Porcas, sempre temperada de uma mordacidade específica: a do conteúdo do que se diz. Uma imagem, pra ajudar na hipótese (inspirada em frase de Borges): as canções dos Porcas Borboletas repousam sempre no vestíbulo intermediário entre o jardim de infância e a Rua Augusta.
Aliás, a Rua Augusta - ao menos a Augusta que está registrada no filme Augustas, de Francisco Cesar Filho, baseado no livro A Estratégia de Lilith, de Alex Antunes - é cenário da canção de que gostei mais, "Tudo que eu tentei falhou", de estrutura simples, abertura furiosa e acelerada, que será também refrão. Nas partes, ouvem-se as tentativas do Sujeito da canção: "Sapatênis / Bandana / Sunga dos Esteites / Suspensório". Ele corre do traje aplayboyzado ao descolado, do ridículo ao yuppie. Ouvindo a canção toda, não será difícil perceber que se trata de Sujeito à cata da própria identidade sempre em padrões que lhe são externos. Certamente os Porcas não são os primeiros a avaliar o vazio dos alienados - mas é o modo com que o fazem que chama atenção.
De engraçadas, como nessa primeira parte, as enumerações de intentos do Sujeito da Canção passam a hilárias ("Relacionamento aberto / Fechado / Ménage à trois / Suruba psicodélica") e finalmente, como propus logo no começo, mordazes: "Paraíso / Purgatório / Inferno / Rua Augusta". Esta última enumeração é de longo alcance: temos aí a inversão das três partes da Divina Comédia, de Dante, seguidas da Rua Augusta - como se esta fosse o desdobramento dos horrores infernais. É de supor que a gradação que vai da virtude do Paraíso ao vício da Augusta sugira o mergulho do Sujeito da Canção, ainda à procura de si mesmo, nos paraísos artificiais, dos místico-religiosos aos psicodélicos, verso e anverso um do outro.
O projeto de "experimentar tudo pra depois ver o que você prefere" tem por pressuposto um sujeito vazio - cuja ansiedade é marcada no riff inicial. Se na "Estrela Decadente" do álbum A Passeio esse sujeito esvaziado de si era a celebridade na forma de Pinóquio, de cujo nariz só escorria "cocaína de verniz", aqui o hiperativo de "Tudo que eu tentei falhou" é o homem comum de personalidade aderente ao mundo das mercadorias - duas faces da mesma miséria humana: "Rexona / Avanço / Leite de Rosas / Minâncora na axilas".
Walter Benjamin descreveu bem, em famoso texto a respeito da obra de Baudelaire, a propriedade de transmutação das mercadorias, infinitamente, à cata da forma específica que encantaria o consumidor. Aliás, no estudo da natureza das mercadorias, Marx afirma, de modo geral, que seu valor vai assumindo formas diferentes, até alcançar seu fim último, que é a valorização. A enumeração caótica das tentativas, ao final da canção, parece figurar precisamente essa passagem infinita de uma forma a outra - em cujo processo as identidades se tornam, para dizer o mínimo, passageiras. No extremo, o Sujeito se dissolve em outras tantas, diversas e distintas manifestações de si, que lhe escapa ele próprio.
Eis aí a feição porca dos Porcas Borboletas: se a canção tinha início em enunciações divertidas que revelavam um sujeito perdido de si, a desordenação final dá a ver que a própria identidade foi suprimida na lógica das mercadorias. Não há sujeito aqui - há apenas coisa em desfile, como muitos mortos-vivos das ruas augustas. Daí o fim abrupto da canção, como se anunciasse o próprio desaparecimento do sujeito, que só tem a própria canção "Tudo que eu tentei falhou" como registro de que esteve (quase) vivo.
De engraçadas, como nessa primeira parte, as enumerações de intentos do Sujeito da Canção passam a hilárias ("Relacionamento aberto / Fechado / Ménage à trois / Suruba psicodélica") e finalmente, como propus logo no começo, mordazes: "Paraíso / Purgatório / Inferno / Rua Augusta". Esta última enumeração é de longo alcance: temos aí a inversão das três partes da Divina Comédia, de Dante, seguidas da Rua Augusta - como se esta fosse o desdobramento dos horrores infernais. É de supor que a gradação que vai da virtude do Paraíso ao vício da Augusta sugira o mergulho do Sujeito da Canção, ainda à procura de si mesmo, nos paraísos artificiais, dos místico-religiosos aos psicodélicos, verso e anverso um do outro.
O projeto de "experimentar tudo pra depois ver o que você prefere" tem por pressuposto um sujeito vazio - cuja ansiedade é marcada no riff inicial. Se na "Estrela Decadente" do álbum A Passeio esse sujeito esvaziado de si era a celebridade na forma de Pinóquio, de cujo nariz só escorria "cocaína de verniz", aqui o hiperativo de "Tudo que eu tentei falhou" é o homem comum de personalidade aderente ao mundo das mercadorias - duas faces da mesma miséria humana: "Rexona / Avanço / Leite de Rosas / Minâncora na axilas".
Walter Benjamin descreveu bem, em famoso texto a respeito da obra de Baudelaire, a propriedade de transmutação das mercadorias, infinitamente, à cata da forma específica que encantaria o consumidor. Aliás, no estudo da natureza das mercadorias, Marx afirma, de modo geral, que seu valor vai assumindo formas diferentes, até alcançar seu fim último, que é a valorização. A enumeração caótica das tentativas, ao final da canção, parece figurar precisamente essa passagem infinita de uma forma a outra - em cujo processo as identidades se tornam, para dizer o mínimo, passageiras. No extremo, o Sujeito se dissolve em outras tantas, diversas e distintas manifestações de si, que lhe escapa ele próprio.
Eis aí a feição porca dos Porcas Borboletas: se a canção tinha início em enunciações divertidas que revelavam um sujeito perdido de si, a desordenação final dá a ver que a própria identidade foi suprimida na lógica das mercadorias. Não há sujeito aqui - há apenas coisa em desfile, como muitos mortos-vivos das ruas augustas. Daí o fim abrupto da canção, como se anunciasse o próprio desaparecimento do sujeito, que só tem a própria canção "Tudo que eu tentei falhou" como registro de que esteve (quase) vivo.
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